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sexta-feira, 10 de julho de 2009

Ciência para marcianos

Certa vez Martin Heidegger escreveu: "a ciência não pensa". Tendo sido obviamente mal interpretado, teve que explicar isso algumas vezes para alguns doutores.
Sem entrar em detalhes referentes ao Dasein, Bestand e coisas do gênero, acho que valeria a pena ter um projeto editorial; modesto, porém suficientemente duro para passar aquilo que critico a ciência.
Esta semana ouvi a seguinte frase: a ciência é livre de ideologias.
Como vocês, meus caros leitores inexistentes, podem já imaginar, discordo em gênero, número, grau, declinação, acentuação, etc.; acho isso uma expressão que, paradoxalmente, carrega a pior das ideologias.
Em primeiro lugar, falando de onde eu estou - a Administração. Qual a necessidade que tem a Administração de ser uma ciência? Essa discussão já aconteceu há tempos no Direito, com as divergências entre H.L.A. Hart e H. Kelsen com outros notáveis, principalmente os influenciados pela Escola de Frankfurt.
Ciência, contudo, não é ideology-free. Ao negar a presença de ideologia em seu seio, a ciência afirma exatamente uma posição diversa, da existência da ideologia enquanto negação de critérios de validação que não concordem com aquilo que se deseja objetivar.
Ser uma ciência, contudo, transmite uma força, em especial na nossa comunidade ocidental. O que é científico é verdadeiro; por oposição, o que não é científico é falso, duvidoso, incorreto. Enganador. Veja o exemplo da Astronomia e da Astrologia. A primeira é científica, a segunda não é.
Não vejo haver problema na condição de validade/condição de demarcação, se o pesquisador entende que a própria posição de "neutralidade" da ciência é, em si, ideológica. Parafraseando Bertolt Brecht, é como se fosse o analfabeto político. Aquele cientista que não percebe que existe política em sua atividade nega, por vontade de desconhecer, o aspecto hiperpolítico que a ciência encerra, tanto em si mesma quanto em suas significações socialmente construídas. O que é científico é verdadeiro. Amém.
Por falar em religião, cada dia mais me convenço que a ciência é uma religião. Que é uma corporação de ofício isso eu já tenho certeza - basta entender o que significa um "mestre" na concepção medieval das corporações.
Contudo, ao longo dos últimos séculos, a ciência desenvolveu uma ojeriza pelo subjetivo. Aquilo que é subjetivo é muito bonito, interessante, romântico, etc., mas não científico. Pergunto-me se a ciência é feita por marcianos, que possuem algum tipo de conhecimento mais evoluído da realidade fática que nós, meros terráqueos. Talvez algum tipo de Dasein mais aprimorado, quem sabe?
Pergunto-me como essa mesma ciência feita por marcianos encararia a presença do ser humano. E, quem sabe, essa seja a única possibilidade que vislumbro de objetividade absoluta: quando a subjetividade humana é retirada e a análise é feita pelos marcianos.
Entretanto, os marcianos atualmente somos nós, cientistas. Sob a desculpa esfarrapada de neutralidade, de objetividade, impomos nossas crenças a priori, nos métodos e teorias previamente escolhidas e terminamos com um maravilhoso resultado.
Penso se esse tipo de ciência - burra - vale alguma coisa para a busca do conhecimento que objetiva.
Até que ponto nos distanciamos tanto do humano, chegando a não saber mais o que é? O que é no mundo factual, o to on grego. É interessante a ciência que é muito precisa em seus resultados mas que nega a humanidade de seus pressupostos?
Eu fortemente acho que não.
Ciência hoje, falando de Administração, é uma tentativa fracassada de se copiar a Física (conforme disse uma colega de turma), a objetividade-oásis desejada por todos os pesquisadores. Não adianta essa objetividade. Não seremos como a física. Seremos, contudo, mais maquiavélicos que imaginamos.
Ao primado da objetividade tem-se a destruição da objetividade. Conforme defende Heidegger, a técnica passa a ser perigosa quando percebe o homem enquanto objeto de manipulação. Para Foucault, em sua seminal análise do poder disciplinar, deseja-se obter corpos dóceis e submissos. O ser humano não é mais uma individualidade em si, mas apenas uma individualidade objetivada, transposta em números numa lista.
E, meus caros, qual a diferença disso para o deserto de emoções?
Não é essa ciência que eu quero viver, e muito menos é a que eu acredito. Pois foi por meio desses mesmos fundamentos que um certo vegetariano, baixinho e de bigode, levou o povo alemão a uma mentira que matou milhões de pessoas. Tudo formalmente correto, com a técnica executada em sua perfeição. Tudo humanamente desastroso, com um saldo de mortes que deveria desonrar a humanidade inteira, até hoje.

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